Vou admitir uma coisa para vocês: durante muito tempo tive vergonha de me identificar como escritor. Sempre foi mais seguro dizer “sou advogado e, nos tempos vagos, escrevo”. Estava refletindo sobre essa postura e, hoje em dia, aceito melhor minha condição de ser um artista.
Eu não escrevo porque gosto ou porque escolhi ser escritor. Escrevo porque preciso. Quando não escrevo, sinto dor de cabeça. Ela explode, grita e vejo boas ideias indo pelo ralo. A sensação de perder histórias por falta de tempo ou por causa da procrastinação é uma das piores coisas para um escritor.
É muito triste constatar que apenas uma parcela mínima dos artistas consegue pagar as suas contas apenas com sua arte. Eu não sou um deles, infelizmente. A vida de 99% dos escritores é, mal comparando, tipo a de um super-herói dos quadrinhos: temos uma identidade secreta, na qual fingimos ser jornalistas, advogados, médicos, ou qualquer uma dessas profissões que orgulham as mamães e acalmam as bocas maldosas dos parentes; mas, na verdade, somos escritores, com um “E” enfeitando nosso uniforme e uma capa cheia de imaginação.
No ramo jurídico, que é a onde se encaixa minha profissão, durante a nossa “jornada secreta”, escrevemos textos técnicos chatíssimos, que são lidos por estagiários e assessores, que, por sua vez, assinam como se juízes fossem. Essa é a triste realidade, se vocês não sabiam, fica o alerta de spoiler: as pessoas que procuram o judiciário para resolver seus problemas assistem, em uma boa parte, estagiários decidindo, enquanto os verdadeiros responsáveis tocam os “casos mais difíceis” – e o seu “caso simples”, por vezes, sequer é revisado.
Por isso, buscando essa honestidade comigo e, também, acreditando que um dia possa fugir desse teatro em que se transformaram as profissões burocráticas do país, hoje tenho mais orgulho em dizer que sou escritor do que em dizer que sou advogado – pois, assim, tenho pelo menos a impressão de não estar participando desse sistema falido e sujo que é o judiciário brasileiro.