Os maiores best-sellers apresentam um grande trunfo em comum: todos eles contam a história de personagens que são interessantes por criar empatia com o leitor. Essa técnica faz com que as pessoas se interessem pelo futuro daquela criação e queiram acompanhar a “lenda pessoal” daquele personagem, suas peripécias, suas aventuras e desventuras.
Para conseguirmos esse personagem cativante, o ideal é fugir dos heróis perfeitos demais, bons demais, bonitos demais. Fuja de personagens sem defeitos, praticamente deuses na Terra. Esse conselho tem uma razão: esses personagens são tão perfeitos que o público não consegue se interessar por eles. O público se interessa, portanto, por personagens que, de algum modo, pareçam com ele. A isso chamamos de “empatia”.
O personagem perfeito demais pode existir, desde que seja uma escolha coerente e com um propósito para tanto. Quem nunca adorou torcer para algum personagem se ferrar e ele nunca se ferra? Esses personagens são chamados de “tipos”, ou seja, são personagens sem nuances. São muito certinhos e, até mesmo, chatos. Quase ninguém consegue gostar deles.
O protótipo do personagem “cinza”, ou seja, que pende entre o bem e o mal, é Odisseu ou Ulisses, personagem principal de “A Odisseia”, poema escrito por Homero há mais de 2.000 anos. O cara é esperto, assassino, maldoso, egoísta e, ao mesmo tempo, é corajoso, fiel aos amigos, forte, destemido e muito inteligente. É dele a ideia do “Cavalo de Tróia” e referência para a expressão “presente de grego”. Se você não lembra bem o que são essas referências, lembre-se de que “cavalo de troia” é um dos piores vírus de computador que existe.
Também o texto sumério “A epopeia de Gilgamesh” (considerada a obra literária mais antiga do mundo) nos apresenta um personagem cinza, que comete as maiores atrocidades, entretanto, em sua caminhada em busca da imortalidade, ele muda, se transforma, e passa a ser um herói. Outro personagem dessa estirpe é Raskolnikov, do romance “Crime e Castigo”, do escritor russo Dostoiévksy. O personagem é, arrogante, impulsivo e depressivo, comete um crime hediondo e, mesmo assim, nós nos pegamos torcendo para que ele escape da punição!
Existem alguns casos de livros realmente bons em que o protagonista é facilmente esquecido; mas os vilões são lembrados. E é justamente por esse motivo: o vilão tem defeitos a serem corrigidos, ou, são justamente seus defeitos que o tornam inesquecível. Um dos casos é Hannibal Lecter, de “O silêncio dos inocentes” e “Dragão vermelho”, ambos romances do autor Thomas Harris. Esse personagem foi imortalizado no cinema por Anthony Hopkins. O sujeito é assustador, porém, o público, em geral, ama o personagem. E o que dizer de Mr. White/Heisenberg da série “Breaking Bad”? Ele é sujeito inteligentíssimo, ótimo pai, excelente professor, porém é um cabeça dura, atrapalhado e um criminoso! Apesar desses defeitos, passamos a série inteira torcendo por ele! Exemplos shakespearianos de grandes vilões inesquecíveis são: Iago (vilão de Otelo) e o casal Macbeth e Lady Macbeth (vilões da peça Macbeth). Esses dois personagens simplesmente eclipsam os heróis: Otelo e Mcduff.
Quanto à descrição física do personagem, uma dica interessante é não descrever de forma tão pormenorizada, ou seja, tão detalhista. Dê algumas pistas e deixe que o leitor crie o resto. É bom que o leitor participe desse processo criativo. Um exemplo interessante disso é o que acontece no livro “Sangue na Neve”, de JoNesbo. O narrador é o próprio personagem principal e, lá na perto das últimas páginas, ele diz algo do tipo: “Ah! Falando nisso sou loiro, de olhos azuis…”. Foi uma sacada interessante do autor.
Pense não só na qualidade, mas também nos defeitos de seu personagem. Às vezes, são essas características que criam os conflitos de seu enredo. Tente transformar seu personagem, fazer com que esse defeito seja melhorado, ou contestado. A busca por reduzir e, até mesmo zerar um defeito, pode ser o mote da sua história. A busca pela redenção de um pecado já deu origem a ótimos personagens e enredos.
Vou dar um exemplo de um jovem autor nacional que utilizou esse método (somado a um grande enredo) e que pode ser citado como um case de sucesso: o escritor Gustavo Ávila escreveu e lançou de forma independente o livro “O Sorriso da Hiena” (baita livro, recomendo!).
Seu personagem principal sofria da Síndrome de Asperger. Tal doença é uma espécie de autismo e fazia com que ele interpretasse tudo de forma literal, mas, ao mesmo tempo, o rapaz era um gênio da investigação.O livro criou tanta adesão por parte do público que já foi comprado e será lançado pela editora Verus. Além disso, antes mesmo do lançamento pela editora convencional, o livro teve seus direitos de adaptação vendidos para a Rede Globo. Convenhamos: um baita feito para um autor independente!
O livro é ótimo e é muito bem escrito. Além disso, tem o principal: personagens fortes e marcantes, cheios de defeitos – criando, assim, interesse no público leitor. Talvez você não saiba, mas essa síndrome é a mesma do personagem Sheldon da série The Big BangTheory –outro personagem riquíssimo.
Por exemplo, na ilustração a seguir, apresentarei a vocês, mesmo que brevemente, alguns de meus personagens e suas características dominantes:
– Pedro Guarany: protagonista do livro “Andarilhos”, que será lançado ainda em 2017. Ele é um herói clássico, bondoso e “acima de qualquer suspeita”. Porém, carrega uma culpa enorme por ter matado uma pessoa e ter permitido que matassem sua mulher.
– Marco: é o protagonista do meu livro “Noite Escura” e trata-se de um homem meticuloso que não admite erros. Porém, ele é um matador profissional e deixou uma testemunha ocular viva. Se você quiser conhecer essa obra, clique aqui.
– O menino: personagem de um livro que ainda estou em fase de estruturação. O que já adianto é o seguinte: ele é frágil e medroso, porém, durante a narrativa, vai revelar ter mais coragem e força do que muita gente grande.
Espero que essa breve conversa sobre personagens tenha ajudado vocês a entenderem um dos motivos pelo qual nos apaixonamos por determinados personagens.
Abraços,