Bagé faz 214 anos, mas em mim ela existe há muito mais tempo. Não nos números, mas nos cheiros, nas texturas, nos silêncios e nos fantasmas que me acompanham desde menino.
Mesmo tendo passado doze anos fora, em outras cidades e estradas, Bagé sempre foi o meu lugar. Não só de origem, mas de pertença. Era o nome que eu dizia quando me perguntavam de onde vinha. A resposta clássica aquela: não sou de me exibir, mas sou a Bagé. Era o chão que eu evocava nos eventos literários, nos lançamentos, nas conversas com outros escritores. E mais do que isso — Bagé era o território das minhas histórias.
Todos os meus livros, de alguma forma, nascem aqui. Os contemporâneos se passam em São Francisco do Sul, uma cidade fictícia criada por mim, mas que não engana ninguém: é Bagé em outra chave. Um pouco menor, talvez mais lenta, como se fosse aquela Bagé que existia quando eu era criança — e que, como bom saudosista, às vezes eu queria que nunca tivesse mudado.
Noite Escura, Ainda que a terra se abra, Carancho… todos eles estão impregnados desse chão. E Andarilhos, que termina justamente aqui, reconhece em Bagé um ponto de chegada — ou talvez de retorno. Até meus livros de época bebem dessa fonte: Carancho mergulha na Revolução Federalista de 1893 e reimagina o passado com os olhos voltados pra esse mesmo pampa.
Porque sem Bagé, não haveria escrita. Não haveria escritor. Bagé me deu as vozes, os conflitos, a paisagem. Me deu os tipos humanos que tanto me fascinam — essa mistura de ternura e brutalidade que define o Sul.
Parabéns, Bagé. Que venham mais 214 anos de histórias, para que eu — e tantos outros — sigamos escrevendo contigo.
Falando nisso, convido também para que conheçam outras vozes que, assim como a minha, brotaram desse mesmo chão. O Clube de Leitura Contraponto nasceu com esse propósito: ler, ouvir e celebrar os autores bageenses — gente que escreve com o sotaque do pampa, com o olhar de quem conhece essas ruas, esse vento, essa história. Todo mês escolhemos um livro de ficção escrito por alguém da cidade e nos reunimos para conversar, descobrir e valorizar a literatura que nasce aqui. Porque Bagé tem muitos escritores — e muitas histórias esperando para ser lidas.