Nas últimas semanas, fomos inundados com comentários, teorias e spoilers sobre a série Adolescência, disponível na Netflix. A história é ficcional, claro — um adolescente acusado de matar uma colega, a família sendo arrancada do sono pela polícia, e o mundo desmoronando em torno disso. Mas o que tem prendido a atenção do público talvez não seja o enredo em si, e sim o espelho incômodo que ele nos oferece. Porque, no fundo, essa série não fala só sobre um crime. Ela fala sobre algo muito mais próximo: a distância entre pais e filhos no mundo digital.
Enquanto assistia, o que mais me impactou não foi o drama policial, mas o silêncio entre as falas. As entrelinhas de uma família que achava conhecer seu filho, mas que, na prática, mal fazia ideia de quem ele era fora das paredes de casa. Quantas vezes já ouvimos pais dizerem a professores: “Vocês estão falando de outra criança, não é do meu filho”? Pois é. Talvez o filho que eles conhecem seja só a metade visível de um iceberg que se aprofunda nas redes, nos fóruns, nas conversas privadas que jamais passam pela sala de jantar.
A juíza da infância e da juventude Vanessa Cavalieri, em um episódio impactante do podcast Fio da Meada, chamado Vanessa Cavalieri não quer prender o teu filho, joga luz sobre um dado alarmante: crescem no Brasil os casos de jovens de classe média e alta sendo processados por crimes cometidos online — racismo, violência simbólica, ameaças, assédios. O que mais impressiona é que, em muitos desses casos, os pais simplesmente não fazem ideia do que está acontecendo. Não é negligência no sentido clássico, é algo mais moderno e mais perigoso: é confiar cegamente no “meu filho nunca faria isso” e deixar o celular virar o único educador de moral e valores.
Não se trata de invadir a privacidade dos filhos, mas de exercer um controle responsável, consciente, amoroso. O termo “controle parental” carrega um estigma de autoritarismo, mas talvez precisemos ressignificá-lo. Controlar não é sufocar, é orientar. É saber por onde andam os filhos, ainda que esses caminhos sejam digitais. É perguntar, acompanhar, estabelecer limites. Porque sim, limites ainda são uma forma de amor.
A geração dos anos 80 e 90 cresceu sob rédeas mais curtas, e talvez por isso muitos de nós tenhamos virado pais que querem ser melhores amigos, confidentes, companheiros — tudo, menos figuras de autoridade. Mas talvez tenhamos errado a mão. Talvez a próxima geração precise dar alguns passos para trás: ser amiga, sim, mas também responsável pela formação ética e emocional de seus filhos. Ensinar que a internet pode ser um lugar de troca, aprendizado, criatividade — e não de destruição. Que a liberdade exige responsabilidade. E que, por mais que cresçam, ainda somos nós, os adultos, que precisamos ser o farol — principalmente quando tudo ao redor parece escuridão.