Falar de novela em 2025 pode parecer anacrônico. Talvez seja mesmo. Mas, vez ou outra, é necessário olhar para o que parece ultrapassado para entender o que continua perfeitamente atual. Vale Tudo, novela exibida originalmente em 1988 e reprisada tantas vezes, continua oferecendo personagens que parecem saídas do feed do Instagram de hoje. E entre elas, Solange.
Solange é um tipo muito conhecido no Brasil — e talvez por isso tão incômodo. É aquele sujeito moderno, woke, de discurso afiado e engajado. É o cara que grita por justiça, exige igualdade, fala bonito sobre resistência, democracia e inclusão. Trabalha duro, está nos eventos certos, nas falas certas, nas hashtags certas.
Aí está a hipocrisia da personagem. Na hora de escolher um par, seu coração a “engana” e ela se apaixona, coincidentemente, por um milionário. E então, não resiste ao deslumbre: jantares caros, viagens a lugares paradisíacos, roupas de grife, a piscina com borda infinita. O sonho de consumo vendido como natural.
Solange é um espelho incômodo porque representa com exatidão uma camada da sociedade brasileira que vive entre dois mundos. No mundo virtual, performa a revolução: fala como se estivesse prestes a tomar a Bastilha. No real, sustenta o próprio conforto com a herança da família, o salário do Estado, a vaga garantida no mestrado da universidade pública. A coerência é um luxo do qual ela abre mão — desde que o vinho seja bom e o cenário seja bonito.
É por isso que Vale Tudo continua atual. Porque a Solange de ontem é a influencer de hoje, é a colunista “progressista” do jornal de amanhã, é a turma da “resistência” que protesta com celular de 10 mil reais e vai à manifestação patrocinada pela mesada. Reclamam do sistema, mas fazem questão de sentar na janelinha.
No fim, o Brasil talvez não precise de vilões de novela. Já tem sua cota de mocinhas bem-intencionadas que, quando ninguém está olhando, pegam carona no jatinho do opressor. Tudo em nome da luta, é claro.
Porque resistir, mesmo, cansa. Ainda mais sem ar-condicionado.