Terra Selvagem

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Já escrevi aqui no site sobre a primeira temporada de Yellowstone, cujo cocriador Taylor Sheridan, além de escrever a maioria dos episódios, havia dirigido todos, o que me impactou com a força de suas escolhas e uma direção completamente segura, em que prioriza os atores e a construção daqueles personagens (o que se perdeu um pouco a partir da segunda temporada, em que ele atuou apenas como roteirista).

Ainda impactado com aquela série, pesquisei os demais filmes em que ele já havia trabalhado e me surpreendi por já ter assistido dois roteirizados por ele: o excelente Sicário: Terra de ninguém (2015) e A qualquer custo (2017), filmes que me surpreenderam em linguagem e temática.

Pessoalmente, me encanta filmes que tratem desse universo árido dos Estados Unidos, que abordem regiões fronteiriças e homens em situação limite. Em Terra Selvagem, acompanhamos a ficcionalização de uma situação real: é encontrado o cadáver de uma índia americana, com sinais de violência física e sexual, congelado na neve. A agente do FBI Jane Banner (Elizabeth Olsen) é enviada para resolver o crime e conta com a ajuda do caçador Cory Lambert (Jeremy Renner) parar conseguir caças as pistas dos assassinos.

Diferente dos filmes que ele havia roteirizado, neste o vermelho da região do oeste americano é substituído pela brancura abaixo de zero da neve da região. O filme mostra uma das questões essenciais que o diretor, aparentemente, possui: o interesse na situação degradante do nativo norte-americano, que depois de anos de espoliação, aparece no filme cada vez mais marginalizado. O autor nos mostra, ainda, que não há dados dos números de mulheres indígenas desaparecidas, confirmando que elas estão à mercê dos “lobos”, usando a metáfora de Sheridan, sem qualquer interesse por parte do Estado.

Enquanto brasileiros, já estamos acostumados com a situação miserável e de invisibilidade do povo indígena, mas sempre causa surpresa quando um diretor dos Estados Unidos resolve escancarar a ferida do lado de lá.

Conforme bem salientou Pablo Villaça em sua crítica no site Cinema em Cena, o interesse do diretor não é a resolução do crime em si, mas explorar a parte psicológica daquelas pessoas em isolamento, num ambiente inóspito e violento.

Penso que é justamente por causa dessa decisão que a detetive do FBI acaba não sendo a protagonista que alguns esperam, desde que ela surge no filme sabemos que ela foi mandada para lá por “estar por perto” e não por ser a profissional mais apta para resolver o crime. A personagem dela, pelo menos na minha interpretação, demonstra ainda mais o descaso do governo com a região. Por isso, aparentemente ela não tem um arco seguindo as regras naturais de qualquer produção dos anos 2010 em diante, qual seja, obrigatoriamente você tem que construir uma mulher cheia de força, independente do filme ser de época ou futurista, do contrário sai tachado de machista em qualquer debate.

Trago esse tema ao post, pois quando comentei que havia assistido ao filme, alguns seguidores trouxeram esse ponto, o caso de ela ser uma protagonista fraca, que precisava da ajuda dos homens para se defender, etc. Como sou autor, entendi que ela era fraca justamente para demonstrar que para os Governantes, aquele lugar pouco importava. Penso que se o agente do FBI fosse um homem, também, ele da mesma forma deveria ser alguém com poucas aptidões. Além disso, não me parece que ela seja a protagonista do filme. Ao contrário, o diretor claramente escolheu contar essa história através do ponto de vista de dois homens e brancos.

Sei que terá uma parte da audiência que dirá que isso é um absurdo mas, veja bem, se ele contar a história através do olhar masculino pode ser problemático pra alguns, mas tenho quase certeza que essa mesma pessoa diria que ele não tem lugar de fala para falar da visão das mulheres ou das indígenas, caso a escolha tivesse sido outra.

Por exemplo, no Brasil um homem branco iria dirigir o filme sobre a Marielle (vereadora assassinada pela milícia carioca), e as pessoas exigiram nas redes sociais que a diretora fosse mulher e, de preferência, negra.

Ou seja, em 2020 se você for querer agradar a todos, ou até alguns, você não vai conseguir. Então, enquanto artista, ainda acredito que na arte, espaço da liberdade, o autor deve se preocupar com seus objetivos estéticos e esquecer um pouco a crítica -pelo menos enquanto está criando.

Concordo que a terceira parte do filme tem problemas, sim, e acaba ficando um pouco aquém dos filmes roteirizados pelo Sheridan, mas, mesmo assim, é um filme muito bom, que merece ser visto e o diretor, seguido. Para concluir, diferentemente do meu seguidor que provocou esse debate, não vejo que o filme seja machista, mas que conta uma história a partir do ponto de vista autoral do diretor, o que eu sempre procuro respeitar – e que a ficção não é o lugar para se esconder as mazelas da sociedade, devem existir personagens machistas, violentos, com preconceitos e tudo mais de podre que existe no mundo – não se deve confundir a história com o ponto de vista do autor.

Recomendo.

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